Coprofagia - Um comportamento natural e essencial à saúde digestiva dos ratos
- ABRRE

- 5 de nov.
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A palavra coprofagia pode causar espanto em quem convive com ratos de estimação, mas trata-se de um comportamento completamente natural e essencial para a saúde desses animais. Muitos tutores, ao observarem um rato ingerindo as próprias fezes, pensam que há algo errado, quando na verdade estão diante de um processo fisiológico importante que garante o bom funcionamento do organismo.
Compreender o motivo pelo qual os ratos fazem isso é fundamental para cuidar melhor deles e evitar interpretações equivocadas que levem a práticas de manejo incorretas.

O que é coprofagia
Coprofagia é o nome dado ao ato de ingerir fezes. Em ratos, esse comportamento é perfeitamente normal e faz parte de sua biologia. Segundo uma das principais referências internacionais em comportamento e saúde de ratos, a coprofagia é indispensável para manter a flora intestinal saudável e para reaproveitar nutrientes que não foram totalmente absorvidos na primeira digestão.
Os ratos possuem um intestino grosso bastante ativo, onde bactérias benéficas produzem vitaminas e aminoácidos importantes, como as do complexo B, a vitamina K e a biotina. Como essa parte do intestino não absorve bem essas substâncias, elas são eliminadas nas fezes. Ao ingerir novamente essas fezes, o rato faz com que esses nutrientes passem novamente pelo intestino delgado, onde são finalmente aproveitados.
Em outras palavras, o rato recicla parte de seus nutrientes, utilizando um mecanismo natural para não desperdiçar o que seu próprio corpo produz.
O que a ciência já comprovou
Os estudos sobre coprofagia em ratos são antigos e muito consistentes. Desde 1947, quando os pesquisadores R. P. Geyer e B. R. Geyer observaram que ratos impedidos de ingerir suas fezes cresciam menos, a ciência reconhece que a prática é vital para o equilíbrio nutricional. Décadas depois, Barnes e Fiala (1959) e Williams e Senior (1985) confirmaram que impedir a coprofagia reduz a digestibilidade dos alimentos, mesmo em dietas balanceadas.
Outros estudos, como o de Fajardo e Hörnicke (1989), mostraram que a frequência da coprofagia varia conforme o estado nutricional. Em ratos bem alimentados, ela ocorre em torno de 0 % a 11 % das fezes produzidas. Já em animais com carências vitamínicas, esse índice pode subir para até 25 %. Esses números indicam que o comportamento é adaptativo e se ajusta às necessidades do corpo.
Mais recentemente, Bo e colaboradores (2020) comprovaram que impedir a coprofagia causa alterações na microbiota intestinal, no metabolismo e até na imunidade dos ratos. Portanto, além de ajudar na absorção de vitaminas, o comportamento contribui para a manutenção de uma flora intestinal estável e para o equilíbrio do sistema imunológico.
Coprofagia e reprodução
Durante a gestação e a lactação é natural que as fêmeas aumentem a frequência de coprofagia. O corpo da rata prenhe busca suprir a maior demanda nutricional por meio desse reaproveitamento fisiológico. O comportamento tende a se intensificar nessas fases e não representa nenhum problema, desde que a dieta seja adequada e o ambiente esteja limpo e seguro.
Para criadores responsáveis, entender esse fenômeno é importante para ajustar o manejo reprodutivo. Fêmeas prenhes precisam de alimentação balanceada, suplementação leve e observação atenta. A coprofagia, nesses casos, é apenas um reflexo natural de um organismo que está trabalhando mais.
E os filhotes?
Os filhotes também podem praticar coprofagia, principalmente ao interagir com a mãe. Alguns especialistas acreditam que esse comportamento auxilia na formação da microbiota intestinal dos bebês, já que eles ingerem bactérias benéficas presentes nas fezes maternas. Pesquisas de Galef (1979) sugerem que, além da função digestiva, essa prática pode ter um papel de aprendizado comportamental. Os filhotes observam e imitam a mãe, o que ajuda a formar hábitos e a fortalecer o vínculo familiar.
À medida que crescem e passam a se alimentar sozinhos, a coprofagia tende a diminuir naturalmente, permanecendo apenas em nível fisiológico.
Relação com a microbiota intestinal
O intestino do rato abriga uma microbiota rica e diversificada, que é responsável por grande parte da saúde digestiva e imunológica do rato. Quando a coprofagia é impedida, essa microbiota perde parte de sua diversidade, o que pode causar má digestão, inflamações e até alteração de comportamento.
De acordo com Ebino (1993), a ingestão das fezes cecais, aquelas produzidas no ceco e mais moles e ricas em nutrientes, permite que as bactérias benéficas sejam reintroduzidas no sistema digestivo, mantendo o equilíbrio microbiano. Isso explica por que o rato realiza o comportamento de forma instintiva e silenciosa, quase sempre durante o repouso.
Quando a coprofagia pode preocupar
Apesar de ser natural, o comportamento pode servir de alerta quando se torna excessivo ou vem acompanhado de outros sinais clínicos. Um aumento repentino pode indicar carência alimentar, dieta pobre em vitaminas ou tédio ambiental. Por outro lado, a ausência completa de coprofagia também pode ser um sinal de desequilíbrio intestinal, estresse ou doença.
Tutores e criadores devem observar atentamente o contexto. Um rato saudável, ativo, com boa alimentação e ambiente adequado tende a manter padrões estáveis de comportamento. Se algo muda de forma brusca, é importante reavaliar a dieta e, se necessário, consultar um veterinário especializado em animais exóticos.
A importância do ambiente adequado
A forma como o rato vive influencia diretamente o equilíbrio desse comportamento. Um ambiente limpo, ventilado, enriquecido e com espaço suficiente para explorar favorece o bem-estar e reduz comportamentos anormais. Gaiolas pequenas, substratos inadequados e falta de estímulo aumentam o estresse e podem alterar o padrão natural de alimentação e higiene.
A ABRRE recomenda rotinas de limpeza que preservem a saúde sem eliminar completamente os odores naturais do grupo, pois eles fazem parte da comunicação entre os ratos.
O que dizem os criadores especializados
No Brasil, criadores éticos e referências como o Clube do Ratto e o Fanratics Rattery reforçam o que a ciência já demonstrou. O site Fanratics explica que os ratos produzem dois tipos de fezes: as cecotróficas, moles e ricas em nutrientes, que são ingeridas diretamente, e as fezes secas, que são descartadas. Segundo o texto “Socorro! Meu rato está comendo cocô!”, impedir esse comportamento pode gerar carência de vitaminas K, B e biotina, além de afetar o crescimento e o metabolismo. Já o Clube do Ratto destaca que compreender esse hábito é parte essencial da tutoria responsável e que a coprofagia deve ser vista como sinal de saúde, não de sujeira.
O papel do tutor e da ABRRE
Para a ABRRE, compreender a coprofagia é compreender o rato em sua natureza mais autêntica. O comportamento não deve causar repulsa, mas respeito. Trata-se de um mecanismo eficiente e evolutivo, desenvolvido para garantir a sobrevivência e o equilíbrio biológico.
Cabe ao tutor garantir que o rato tenha nutrição de qualidade, ambiente limpo e estímulos adequados. Observar o comportamento com empatia é a melhor forma de promover bem-estar e fortalecer o vínculo com o animal.
Conclusão
A coprofagia é um comportamento natural, fisiológico e adaptativo. Ela permite que o rato reaproveite nutrientes, mantenha a microbiota intestinal equilibrada e preserve sua saúde digestiva. Quando compreendida, ela se torna uma aliada no cuidado diário e não um motivo de preocupação.
Para criadores e tutores responsáveis, o conhecimento é a principal ferramenta de bem-estar. Observar, entender e respeitar o comportamento natural dos ratos é o caminho mais seguro para garantir qualidade de vida e longevidade à espécie.
Fontes
RatGuide. Coprophagy (Behavior), 2004.Fajardo, G.; Hörnicke, H. Problems in estimating the extent of coprophagy in the rat. British Journal of Nutrition, 1989.Barnes, R. H.; Fiala, G. Effects of the prevention of coprophagy in the rat. Journal of Nutrition, 1959.Bo, T. B. et al. Coprophagy prevention alters microbiome, metabolism and immune response in rats. Microbiome, 2020.Fanratics Rattery. Socorro! Meu rato está comendo cocô!!!, 2023.Clube do Ratto. Comportamento natural e alimentação dos ratos domésticos, 2025.




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